Guarda Municipal/ Policia Municipal- pode prender! Saiba mais...
- Admin

- 11 de set. de 2017
- 11 min de leitura
Introdução:

Para a CF/88, em seu art. 5º, LVII, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Ou seja, até a efetiva condenação, ninguém poderá ser preso (prisão-sanção). Fala-se, equivocadamente, em princípio da presunção de inocência. Contudo, o que se presume não é a inocência – inocentes, todos são, até prova em contrário -, mas a não culpabilidade. Portanto, até o trânsito em julgado da sentença condenatória, o acusado é, sim, inocente, e presume-se que não tenha praticado o delito.
Tendo isso em mente, que a pessoa é inocente até o trânsito em julgado, pergunta-se: é possível enviá-la à cadeia? Em regra, não. Entretanto, em situações excepcionalíssimas, é preciso conter a liberdade de alguém, ainda que inocente. Trata-se da prisão cautelar, que possui três espécies: a) prisão preventiva; b) prisão temporária; c) prisão em flagrante (alguns consideram-na “pré-cautelar”). A sua função, em hipótese alguma, deve ser a prévia punição do acusado. Se uma panela serve para cozinhar, as grades da prisão devem servir para restringir a liberdade, quando a locomoção de determinada pessoa põe em risco interesses maiores, e não para puni-la antecipadamente. Da mesma forma, as algemas devem ser utilizadas quando, o que se busca, é a limitação dos membros do corpo humano, e não o vexame do preso.
Portanto, a prisão cautelar é, em verdade, meio de contenção da locomoção. Em algumas situações, é possível que se alcance o objetivo desejado sem que se use a técnica do “engaiolamento”, por meio de medidas menos gravosas. A elas, damos o nome de medidas cautelares diversas da prisão, previstas nos artigos 319/320 do CPP. Destarte, quando a prisão cautelar não for necessária para fim algum, o acusado de um crime deverá aguardar o desfecho do processo em liberdade (intitula-se liberdade provisória), e, ao final, caso seja comprovado que, de fato, praticou o crime, ser-lhe-á imposta a prisão tão desejada pela vítima e pela sociedade: a prisão como sanção, em resposta ao mal por ele causado.
Prisão em flagrante:

A prisão em flagrante vai muito além da “voz de prisão”. Trata-se de forma de cerceamento momentâneo da liberdade de quem é encontrado praticando um crime (por isso, se chama “prisão”). O seu objetivo, dentre outros, é evitar a consumação ou o exaurimento do crime, a fuga do possível culpado, garantir a colheita de elementos informativos e assegurar a integridade física do autor do crime e da vítima. Além da imobilização e encaminhamento à delegacia do suposto criminoso, uma série de outros atos devem ser praticados, compondo verdadeiro procedimento, que será visto nos tópicos a seguir.
1.2.1. Quem pode prender em flagrante: é comum imaginar que somente as forças policiais podem prender alguém em flagrante. Contudo, em verdade, qualquer do povo pode realizá-la, e a razão é simples: um dos objetivos da prisão em flagrante é o afastamento de perigo atual ou iminente. Por isso, se um cidadão puder conter um criminoso enquanto pratica um delito, caso decida fazê-lo, a lei dará amparo ao seu ato heroico – embora não seja algo recomendado que o faça. Perceba, no entanto, que a lei (CPP, art. 301) afirma que “qualquer do povo poderá”. Trata-se de mera faculdade. Caso decida por não efetuar a prisão em flagrante, nenhuma omissão criminosa ser-lhe-á imputada. Ademais, em “qualquer”, estão compreendidos quem não atingiu a maioridade, quem se encontre com seus direitos políticos suspensos ou submisso a qualquer outra restrição legal, estrangeiros etc. Por outro lado, as autoridades policiais e os seus agentes (polícia civil, militar etc.) tem o dever legal de efetuar a prisão em flagrante (aqui, a redação do art. 301 fala em “deverão”), sob pena de responder criminal e administrativamente pela omissão.
1.2.2. Hipóteses de prisão em flagrante: as situações de flagrante, em que a prisão é possível, estão descritas no art. 302 do CPP, em rol taxativo: “Considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la; III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.”. A doutrina, para facilitar o tema, adotou a seguinte classificação:
a) flagrante próprio (art. 302, I e II do CP): é a hipótese em que o agente é surpreendido praticando o crime (ou logo após cometê-lo)
b) flagrante impróprio (art. 302, III do CP): também chamado de quase flagrante. É a situação em o autor da infração é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração
c) flagrante presumido ou ficto (art. 302, IV do CP): trata-se de hipótese em que, logo depois do crime, alguém é encontrado com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam com que se presuma ser, essa pessoa, a autora da infração. Não há perseguição. Imagine a seguinte situação: logo após o arrombamento de um imóvel, alguém é visto, caminhando pela região, com a “res furtiva” subtraída do local do crime. Por presunção, pode ocorrer a sua prisão em flagrante. Evidentemente, é preciso que aquele que efetue a prisão tenha muita cautela ao realizá-la, para evitar que alguém, sem qualquer vínculo com o crime, sofra tamanho constrangimento. Das quatro hipóteses previstas nos incisos do art. 302, é, sem dúvida alguma, a que mais facilmente pode ser considerada ilegal, pois tem como fundamento a suposição. O inciso IV fala em “logo depois”, enquanto, no inciso III, fala-se em “logo após”. Qual seria a diferença? Conquanto ambas as expressões tenham o mesmo significado, a doutrina tem entendido que o “logo depois”, do flagrante presumido, comporta um lapso temporal maior do que o “logo após”, do flagrante impróprio
d) flagrante preparado ou provocado: é a situação em que o autor do crime é induzido a praticar o ato, em cenário montado para tal fim. Visualize o seguinte exemplo: a polícia, com o intuito de prender arrombadores de automóveis, estaciona um “carro isca” em local ermo, com um “notebook” em seu interior, e, sem seguida, permanece em campana, aguardando eventual criminoso. Caso alguém venha a arrombar o automóvel, a prisão em flagrante será ilegal, pois se trata de crime impossível (art. 17 do CP), ficando afastada a tipicidade da conduta
e) flagrante esperado: não se confunde com o provocado, pois, aqui, o agente não foi induzido a praticar o crime. Consiste no ato (por isso o nome) de esperar a ocorrência do delito, para que seja possível a prisão em flagrante do criminoso. Não é ilegal. Sobre o tema, STJ: “Não há flagrante preparado quando a ação policial aguarda o momento da prática delituosa, valendo-se de investigação anterior, para efetivar a prisão, sem utilização de agente provocador” (RSTJ, 10/389)
f) flagrante prorrogado ou retardado: como já comentado anteriormente, a autoridade policial e os seus agentes tem o dever legal de efetuar a prisão de quem se encontre em flagrante delito. Portanto, trata-se de ato vinculado, e não discricionário. Contudo, em situações excepcionais, previstas na legislação, pode o agente público deixar de efetuar a prisão em flagrante, quando, para a investigação criminal, for mais interessante a prisão em momento posterior. A Lei 12.850/13 (“Lei das Organizações Criminosas”), em seu art. 8o, traz previsão expressa de flagrante retardado (intitulado “Ação Controlada” no texto legal). A Lei 11.343/06 (“Lei de Drogas”), em seu art. 53, II, também autoriza o flagrante prorrogado. O flagrante retardado não se confunde com o esperado, pois, neste, o agente é obrigado a efetuar a prisão em flagrante no primeiro momento em que ocorrer o delito, não podendo escolher um momento posterior que considerar mais adequado, enquanto, no prorrogado, o agente policial tem a discricionariedade quanto ao momento da prisão.
g) flagrante forjado: é o caso em que o flagrante é criado. No flagrante provocado, o agente pratica fato que é considerado crime, mas é atípica a conduta, pois não passa de mero fantoche nas mãos de quem o induziu a praticar o ato. No forjado, a suposta pessoa em flagrante não praticou qualquer ato. Exemplo: policial que implanta grande quantidade de cocaína no interior de um veículo, e, em seguida, prende o seu condutor em flagrante, por tráfico de drogas.

1.2.3. Flagrante e apresentação espontânea: tema polêmico para a sociedade, mas cujo entendimento já não se discute mais na comunidade jurídica, é a apresentação espontânea. Imagine que o autor de um homicídio, não capturado no momento do ato, dias ou horas após a prática do delito, decide ir, espontaneamente, à delegacia e contar o ocorrido, confessando o crime. Pode o delegado de polícia prendê-lo em flagrante? A resposta é não. A prisão em flagrante tem dois principais objetivos: a) interceptar o evento criminoso, impedindo a consumação do crime ou o exaurimento de seu iter criminis; b) possibilitar a colheita imediata de provas contundentes sobre o fato delituoso, especialmente no que se refere à autoria.
Em relação ao primeiro objetivo, já não há mais o que fazer, pois a apresentação espontânea é sempre posterior ao crime. Quanto ao segundo, o fato de o autor do crime se apresentar à autoridade, por si só, demonstra o seu interesse em indicar a autoria do crime. Não ficou convencido? Eis um último argumento: só é possível a apresentação espontânea quando já não existir mais o flagrante, pois ela não é compatível com as hipóteses do art. 302 do CPP. Isso não impede, no entanto, que a autoridade policial represente pela prisão preventiva, se presentes os requisitos do art. 312 do CPP, mas a prisão em flagrante é impossível. Logo, é perfeitamente possível que o possível autor de um crime vá à delegacia, confesse e, em seguida, volte para a sua casa. Contudo, atenção: aquele que, surpreendido pela polícia enquanto pratica um delito, não impõe obstáculo à prisão, não se apresenta espontaneamente, podendo ser preso em flagrante.
1.2.4. Flagrante em crimes permanentes: segundo o art. 303 do CPP, nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência. Crime permanente é aquele que perdura ao longo do tempo, que se considera em consumação enquanto o agente estiver praticando a conduta prevista no tipo penal. O exemplo clássico é o sequestro. Enquanto a vítima estiver sob o poder do criminoso, poderá ocorrer a prisão em flagrante, ainda que a prática dure anos.
1.2.5. Procedimento da prisão em flagrante: o Big Bang da prisão e flagrante é a voz de prisão. O agente está praticando um crime, ou acaba de cometê-lo, e alguém efetua a sua prisão. Pode ser realizada por qualquer do povo, pela autoridade policial ou por seus agentes. Se necessário, o preso em flagrante pode ser imobilizado (com fita adesiva, corda, algemas, enfim, com o que estiver disponível, desde que, é claro, não haja excessos). É preciso ter bom senso para decidir pelo uso ou não de algemas ou outro instrumento de imobilização. Se um idoso é pego em flagrante por policiais militares, bem treinados e com bom preparo físico, enquanto praticava um furto, é bem provável que as algemas não sejam necessárias, pois não há, em tese, risco de fuga ou à integridade física dele ou dos policiais. Nesse sentido, Súmula Vinculante n. 11, do STF:
“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
O enunciado veio em boa hora. Em tempos anteriores à publicação, presenciamos verdadeiros shows durante operações policiais. Em mais de uma oportunidade, pessoas que não ofereciam qualquer risco a alguém ou de fuga foram algemadas e expostas ao vexame. Sei do desejo da população pelo fim da criminalidade. Aliás, compartilho-o. Contudo, não há como aceitar que alguém, em fase de investigação, seja exposto ao desprezo público, sem ao menos ter a chance de defesa. Não é assim que se faz Justiça! Aliás, não podemos tolerar, nem mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória, a humilhação pública de quem praticou um fato delituoso.
Após a voz de prisão, o preso é encaminhado, imediatamente, à autoridade competente – em regra, a autoridade policial da circunscrição onde foi efetuada a prisão. Não existindo autoridade competente na localidade, o preso será logo apresentado à do lugar mais próximo (CPP, art. 308). Quando o fato for praticado na presença da autoridade policial, ela própria dará voz de prisão. O procedimento está descrito no art. 107 do CPP: “quando o fato for praticado em presença da autoridade, ou contra esta, no exercício de suas funções, constarão do auto a narração deste fato, a voz de prisão, as declarações que fizer o preso e os depoimentos das testemunhas, sendo tudo assinado pela autoridade, pelo preso e pelas testemunhas e remetido imediatamente ao juiz a quem couber tomar conhecimento do fato delituoso, se não o for a autoridade que houver presidido o auto.”.
Ao ser apresentado, a autoridade ouvirá o condutor (quem prendeu) e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando, a este, cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando a autoridade, ao final, o Auto de Prisão em Flagrante (APF), salvo nas hipóteses em que for possível a lavratura de TC, Termo Circunstanciado (exemplos: art. 69 da Lei 9.099/95 e art. 48, § 2o, da Lei 11.343/06). Caso a prisão em flagrante seja inegavelmente ilegal, a autoridade policial deixará de lavrar o APF, devendo o preso ser imediatamente solto (flagrante inexistente).
Tema frequente em concurso é a ausência de testemunhas. É possível lavrar o APF quando ninguém mais tiver presenciado a infração penal, além do condutor? Sim, ainda que o preso permaneça em silêncio e só exista a versão dada por quem efetuou a prisão. Contudo, nesta hipótese, ao menos duas pessoas que presenciaram a apresentação do preso assinarão como testemunhas do ato, e não do crime (a doutrina as denomina testemunhas de apresentação, indiretas ou instrumentais).
Após todo o procedimento anterior, existindo suspeita contra o conduzido, a autoridade policial determinará o seu recolhimento, enquanto realiza, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, os demais atos que a lei determina ao se lavrar o APF. Se o crime for afiançável, e desde que a pena privativa de liberdade máxima, do crime praticado, não seja superior a 4 (quatro) anos, o delegado de polícia poderá arbitrar fiança (CPP, art. 322). Se paga, o preso será colocado imediatamente em liberdade.
A prisão em flagrante de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, se o ato não tiver sido acompanhado por advogado ou caso o autuado não indique o seu defensor, cópia integral do APF será encaminhada à Defensoria Pública. Por mais que não se fale em contraditório nesta fase, esta comunicação permite que, em hipótese de ilegalidade da prisão, o defensor público possa atuar em prol do autuado.
No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas. Também em 24 (vinte e quatro) horas, o APF será encaminhado ao juiz competente, que poderá adotar os seguintes procedimentos (CPP, art. 310): a) relaxar a prisão; b) convertê-la em prisão preventiva; c) conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
O relaxamento da prisão ocorre quando a prisão é ilegal (CF/88, art. 5o, LXV). É o caso da prisão em flagrante na apresentação espontânea. Pode ocorrer também de a prisão em flagrante ser inicialmente legal, mas tornar-se ilegal durante a realização do procedimento de lavratura do flagrante, por inobservância do que dispõe a legislação (ex.: excesso de prazo, falta de comunicação à família do preso etc.). Em suma, violados os ditames legais, a prisão em flagrante torna-se ilegal, devendo o juiz relaxá-la. Em sua decisão, o magistrado deve determinar a expedição de alvará de soltura, para que a ordem de libertação do preso seja cumprida.
A prisão em flagrante tem prazo de duração: 24 (vinte e quatro) horas. Após este prazo, o preso deverá ser imediatamente solto, não podendo permanecer recolhido em virtude do flagrante. A soltura pode se dar por ilegalidade da prisão (relaxamento) ou por concessão de liberdade provisória. Contudo, em duas hipóteses, a autoridade judiciária poderá mantê-lo preso: pela decretação da prisão preventiva, quando presentes os requisitos do art. 312 do CPP, ou pela prisão temporária, nas hipóteses da Lei 7.960/89.
Por fim, após a análise da legalidade da prisão, não sendo hipótese de relaxamento (prisão ilegal), o juiz deverá conceder liberdade provisória, com ou sem fiança, quando ausentes os requisitos da prisão preventiva (CPP, art. 312). Na introdução (item 8.1), comentei que a prisão cautelar só poderia ser imposta quando útil a algum fim, não podendo servir como antecipação de futura e eventual condenação. Por ser medida excepcional, o juiz deverá fundamentar a sua decisão quando negar a libertação do preso.





Comentários